João Grandino Rodas
Ex-reitor critica planos do sucessor e nega que tenha deixado a USP ‘falida’
Publicado por joao | Categoria artigos, blog
FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO
A USP tem passado por processo de desmonte nos últimos meses, afirma o ex-reitor João Grandino Rodas.
Em sua primeira entrevista após deixar o cargo, em janeiro, Rodas critica a ideia do atual reitor, Marco Antonio Zago, de adotar plano de demissão voluntária para 10% dos funcionários e a transferência do Hospital Universitário para o governo de SP.
Zago, que foi pró-reitor da administração Rodas, afirma que adotou as medidas devido à situação que encontrou, em que a folha de pagamento, sozinha, supera todo o orçamento da USP.
A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida à Folha por e-mail, na qual ele não respondeu qual sua atual atividade.
O novo reitor afirma que adotou cortes devido à expansão da folha de pagamento em sua gestão. O sr. concorda com essa avaliação?
A USP, nos últimos anos, aumentou o número de campus, de unidades, de cursos e de alunos, além de ter encampado a Escola de Engenharia de Lorena. Entretanto, o percentual de imposto a ser recebido não mudou.
Em tempos de vacas gordas não se nota, contudo, quando os recebimentos diminuem, [queda no repasse proveniente do ICMS], é óbvio que o aumento de dispêndio exerce certa pressão.
Na gestão 2010-2013, em que os atuais reitor e vice-reitor participaram nos quatro anos, não houve aumento sensível do número de funcionários, mas foi instituído por voto unânime do Conselho Universitário, o plano de carreira dos funcionários, pois uma universidade de nível tem de ter funcionários capazes e motivados.
Quando sobrevêm período financeiro crítico é normal que tais mecanismos de aumento salarial sejam espaçados ou até suspensos por certo período. Entretanto não se pode dizer, como a atual gestão vem fazendo, que a USP está “falida” e muito menos que o responsável sou eu.
O reitor sozinho não pode tomar resoluções. Por outro lado, com reserva bilionária nos bancos [hoje em R$ 1,6 bilhão], como pode a USP estar “falida”? Ressalte-se que a situação do comprometimento orçamentário da Unesp e Unicamp é bastante similar à da USP, mesmo que eu não tenha sido reitor lá. A diferença é que a atual gestão dramatizou a questão e achou que colocar um bruxo na fogueira se resolve o problema.
Quando assumi, havia R$ 3,6 bilhões de saldo orçamentário depositado e bancos. Manter indefinidamente as reservas nos bancos contraria o seu próprio objetivo, pois o dinheiro orçamentário é para ser utilizado na realização dos fins da universidade e não para ir perder valor e dar lucro aos bancos.
Em artigo publicado na Folha em maio, o sr. disse que parte do aumento de gastos foi feito em resposta à pressão da população e do governo. Como foi essa pressão?
A USP, em virtude do valor de sua marca, é desejada em todos os quadrantes de São Paulo. Há uma fila de representantes da sociedade civil, prefeitos e deputados solicitando a abertura de unidades da USP em seus territórios. É uma pressão que repercute dentro da universidade. Os dirigentes centrais da universidade fazem o possível, mas não conseguem deixar de lado todos os pedidos, mesmo porque alguns deles atendem igualmente a anseios estratégicos da própria universidade: a abertura do campus da USP em Santos, com a Poli lecionando lá engenharia do petróleo, é um bom exemplo.
Críticos dizem que o sr. aumentou gastos da USP como forma de compensar o fato de não ter sido o primeiro colocado na votação interna [palavra final é do governador].
Essa afirmação denota que, por trás de tudo, há razões políticas. Os gastos com professores e funcionários dependem de aprovação por vários órgãos colegiados, portanto a vontade singular do reitor não é determinante. O plano de carreira dos funcionários foi aprovado por unanimemente pelo Conselho Universitário.
Qual sua opinião sobre o plano de demissão voluntária, aprovado pela universidade?
É instituto apropriado para a iniciativa privada, além de demandar altas somas de dinheiro, para “comprar” o pedido de demissão. Tenho dúvidas de que a universidade, mesmo tendo autonomia financeira, possa gastar altas somas com o plano e não correr o risco de ações civis públicas, impetradas para proteger o dinheiro público envolvido. Por fim, se não for bem alinhavado, acorrerão ao PDV os funcionários próximos à aposentadoria (mesmo a compulsória) e os mais aptos, que conseguirão lugares na iniciativa privada, com evidentes prejuízos para a universidade.
Uma comissão nomeada pelo reitor concluiu que as causas do desequilíbrio financeiro foram as movimentações na carreira de funcionários, que não foram aprovadas pelo Conselho Universitário. Também foi criticado o pagamento do prêmio de excelência. Qual a opinião do senhor sobre o resultado da sindicância?
Não conheço o resultado da sindicância. Entretanto, como expliquei acima, são vários as causas do desequilíbrio financeiro, sendo a principal a diminuição de receita derivada do ICMS. Por falar em sindicância, considero que deveriam ser abertas sindicâncias em todos os órgãos da USP, inclusive nas pró-reitorias e outras unidades, então dirigidas pelos atuais dirigentes da USP. Dessa maneira, saber-se-ia em que medida os órgãos dirigidos por eles (projetos desenvolvidos etc.), bem como eles próprios (com diárias e viagens) contribuíram para a “falência” da USP. Será que eles se portavam de acordo com o que hoje alardeiam?
O senhor é favorável à transferência do Hospital Universitário para a Secretaria da Saúde, como pretende o reitor Zago?
Sou contra o desmonte da USP, coisa que nenhuma das duas outras universidades paulistas fez, pois trará prejuízos indeléveis à USP. Problemas conjunturais resolvem-se sem vender o futuro da universidade.
Quanto aos hospitais universitários deve-se se ter em mente que são hospitais-escola, que têm como objetivo a preparação dos futuros técnicos da saúde. Não tem cabimento entregar hospitais prontos, que no dia seguinte serão anunciados por políticos, como grande feitos deles em prol de seus currais eleitorais.
Será por acaso que a autorização para entrega dos hospitais para as secretarias ocorre às vésperas das eleições?
Recentemente, o Tribunal de Contas do Estado reprovou as contas de 2011 da USP principalmente pelo pagamento de salários acima do teto. Inclusive o sr. foi citado pelo como um desses casos. Qual sua avaliação sobre a decisão?
Embora o papel do Tribunais de Contas seja indispensável, é imperioso notar que, no que se refere às universidades públicas paulistas, a atuação dele não tem seguido a cronologia devida.
Por exemplo, no caso da USP, foram apreciadas as contas de 2011, sem que as anteriores o hajam sido. Isso é importante, pois cabendo aos referidos tribunais julgar também aspectos formais das contas, a falta de sequência não permite sequer aquilatar como o tribunal interpreta determinada norma.
Por outro lado, se houvesse julgamento imediato, o administrador público teria a oportunidade de adaptar-se nos anos seguintes. Na USP, há reitores que já terminaram os seus mandatos há mais de quatro anos e ainda não tiveram suas contas verificadas.
A questão dos pagamentos acima do teto tem sido preocupação do próprio Cruesp [conselho dos reitores].
Quanto ao meu salário, tal pode ter acontecido enquanto era reitor, pois como professor em dedicação integral, meus proventos não superam o baixo teto do salário do governador do Estado de SP, mantido, por razões políticas, bem abaixo dos demais governadores brasileiros.
As 3 universidades estaduais paulistas tiveram, ultimamente, suas contas não aprovadas e multas aplicadas. Em todos esses casos houve recurso para a instância superior. Os reitores e dirigentes das três universidades, nos últimos anos, estiveram inúmeras vezes conversando com conselheiros e funcionários do Tribunal de Conta, para se achar um divisor comum de cooperação, como já aconteceu com os mais de 500 municípios paulistas, cujas contas também passam pelo crivo do citado Tribunal.
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